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domingo, 15 de setembro de 2013


Um matagal cresce em mim de maneira insuspeitável, como o mofo que consome qualquer coisa deixada livremente aos insetos, ao ar.
Rosas também nasce desse matagal, pássaros fazem ninho dentro de mim.
Aos poucos me tornarei uma mata densa, úmida e fria.
Crescerei por todos os lados, galhas e flores me cobrirão até eu ser só uma floresta de nome desconhecido. Perdida no tempo.


Celso Andrade

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Essa noite, eu procurei loucamente um poema de Barthes que eu havia lido no ginásio, num daqueles livretos que ficam abandonados no canto da biblioteca, onde ninguém chegava lá- não sei se pela falta de luz ou preguiça pra tirar a poeira de cima deles - eu me lembro que demorava horas folheando aquele amontoado de livros no colo, um por um,até encontrar um verso de Barthes que dizia: De amor não falemos. De que serviria dar nome ao que encerra somente o equívoco?
Eu estava debulhado em Barthes como numa cena ponográfica dentro da biblioteca, algo fixo e obsceno para alguém do ginásio, cada verso era perverso e prazeroso, transávamos no canto escuro e sombrio do colégio eu, Barthes e o verso que nunca saiu da minha cabeça, tão novo e já tinha amante.
Depois que saí do colégio e perdi "R.B."- como passei a chamá-lo entre uma ida ou outra a biblioteca - não recebi nenhuma carta imprópria, com caracteres libidinosos lúbricos e indecentes.


Celso Andrade

sábado, 3 de agosto de 2013

Estavam todos lá, o corpo, o ar desesperado, as pequenas mortes, o vício, como e costume a fotografia vinte anos mais novo, sequer alguma mudança, não haviam sonhos, havia rancor pendurado paredes adentro, no quarto o senso comum, a desesperança de quem já nasce no abismo- como uma boate escura e barulhenta, não há espaço para a solidão só a multidão salva. Intactos os cabides, as roupas sequer haviam sido retiradas do sol, outono já cansado ia embora como cachorro que já deixara de existir solitário na espera de dias mais quentes, era a repetição de ilusões- pendurado pelo tempo corroído por traças sem piedade dos que vivem de ilusão e inverdades. Isso foi o que encontrei dez anos depois que fui embora.



Celso Andrade

sábado, 20 de julho de 2013

Da última vez que você me escreveu, parecia estar numa atmosfera iluminada de esperanças, a sua estranheza era familiar, por isso nos entendemos, pelo esquisito jeito de perder o ponto da humanidade, é por esses acontecimentos que nos encontramos vagando pela noite tentando unir solidão e dor.



Celso Andrade

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Luci vive

Eram grandes seus olhos, sua boca era faminta por menos humanidade, sua loucura devorava os dias como se fossem dedos sem unhas, e ela dançava em volta dele num ritmo de oração a catar das ruas flores já esquecidas. Eu passei minha vida a observar o que ela procurava no ponto acima da sua cabeça, talvez era falta de movimento, ou quem sabe era a melhor maneira de se manter gente. Ela não tocava no ponto, não sei se era medo do depois ou era só uma forma de agradecer a lucidez que permanecia depois dos encontros consigo mesma.


Celso Andrade

sábado, 20 de abril de 2013

O que dizer amor além do corpo que em véspera era só um corpo a me unir a ele com alma, mas era só corpo amor, e ele se foi em passos largos de dias, de sábados e domingos, quando caminhávamos entre os cafés da Sicília, mais amor eu quero só falar do corpo, esse que você me trouxe pra então adorar entre um culto e outro no escuro da sua casa, a pedir sem nenhum remorso perdão pelo humano em mim, pelo susto de viver que até você, corpo chegar deu nome a isso que brota, e se corpo não fica, também não durmo, continuo esperando a olhar pela luz que sai no seu quarto. Quantos a noite esperou por alguma resposta ?
A Morte verbaliza no terminar da luxúria.
Só eu volto a espiar pela janela o tempo que nem sequer ousará a se repetir, então o chamo de meias loucuras do corpo com o tempo, o nosso amor mais adormecido.


Celso Andrade

sexta-feira, 15 de março de 2013

Na roda, ninguém é igual a você


Mesmo ausente, me vendi, estive presente nas rodas, sentado nas calçadas e me desfiz em multidão, e esse tempo presente na roda, eu conheci o que era distante, mais na ausência não fui integro, penso como milhares de pedaços espalhados pela cidade que não me pertence, componho alguma coisa que vaga por ai consumindo e dela faminto de presença nos encontros sociais, as rodas nos tiram a essência, e nos põe uma densa massa na nossa face, e então sobrevivemos os dias com o mais pequeno gesto de apenas ter que pertencer a roda e alimentar sua sede infinita com pequenas frequências, e nesse tempo me decomponho em humanidade e mentira.


Celso Andrade